"Quatro pessoas numa sala. Quatro paredes. Algumas cadeiras. Uma janela que deixa adivinhar o exterior, apresentando-o simultaneamente perto e simultaneamente longe.
Parecia haver um elefante na sala, um grande elefante metafórico a consumir todo o oxigénio que deveria pertencer aos verdadeiros ocupantes daquela divisão, mas no fundo nem eles estão ali.
Um idoso de cabelos grisalhos recordava a guerra, olhando a jovem de cabelos negros sentada à sua frente, uma cópia tão exacta quanto a sua memória era capaz de distinguir. Sim. Aquela menina que ajudara e depois tivera que deixar para trás, a vê-lo partir. Mas teria sido mesmo assim ou morrera a menina nos seus braços? Ou talvez fosse a miragem que o acompanhara nos dias que deambulara perdido no deserto... Mas quando estivera ele no deserto?
A jovem desvia propositadamente o olhar, sentindo-se observada. Sentia os olhos daquele senhor presos nela à espera de uma resposta a uma pergunta não pronunciada. Entretando olhava uma mulher de meia-idade, perfeitamente vestida e penteada, idílica, uma imagem da podre harmonia familiar de que também ela vinha. Esta senhora, provavelmente, também faria biscoitos e cozinhados deliciosos e beijava distraidamente o marido quando lhe entregava o café, esperando que todos saíssem para ser apenas ela, fosse essa pessoa quem fosse, esperando o momento exacto do dia para se encontrar com o seu amante, aceitando a desculpa do marido que, como sempre, às segundas, quartas e sábados tinha muito "trabalho", desculpa essa que camuflava ambos. A sua única obrigação para com a filha seria manter a sua vida aparentemente perfeita, dirigindo-lhe o menor número de palavras e nunca lhe tocando, talvez pela menina mimada e indigna que era...
Que outra menina dessas estaria por detrás de uma senhora como esta? Que outro motivo de humilhação poderia esta senhora esconder se não uma criança como ela própria?
Insere-se a senhora este círculo de fingir não se sentir observada, retirando um pequeno espelho da mala que mantém no colo, retocando lentamente o batom, copiando todos os tiques das antigas divas que aprendera a encenar, mas por quê fazê-lo ali? Sentia a fúria da jovem, decide então focar-se em algo diferente.
Num canto escuro estava menino, algo perdido, olhando constantemente em volta, sem nada encontrar se não o ar, desalinhado, despenteado, algo que ela não permitiria a um filho seu, isto .... se os pudesse ter, se a dádiva que o marido lhe desse fosse mais do que as nódoas negras tão visíveis na sua pele nua, que ela ocultava sempre que saía de casa com camadas de pó-de-arroz que lhe pareciam sempre demasiado finas para esconder toda a sua vergonha. Talvez se levasse aquele menino e fugisse com ele ninguém repararia. Decerto que não. Se ninguém o levasse até ela sair porque não o poderia fazer ela?
O menino não via nada, via branco, ar, paredes, talvez pessoas, mas não sabia referir quem eram ou como eram, não mereciam tanta atenção como aquele elefante que o olhava fixamente, balanceando a sua tromba insistentemente próxima da cara do rapaz que o julgava incapaz de magoar alguém, não com aquela sinceridade nos olhos. Mas como caberia ali um elefante? Talvez já não estivesse na sala, mas não tinha forma de o saber sem desviar os olhos do elefante e era incapaz de o fazer com medo que este se dissipasse no ar como tudo o resto que ele via... Apenas esperava que pelo menos ele não fosse..."