domingo, 16 de agosto de 2009

Palavras no escuro

Que escrevo eu nesta escuridão? Não percebo. Não consigo distinguir as palavras a tinta das sombras que me rodeiam. Sinto-me cega, incapacitada pela falta de luz, apenas os contornos me guiam nesta ardilosa tarefa.
Só conheço as palavras que recordo no meu pensamento.
Uma luz acende-se abruptamente. Instintivamente os meus olhos fecham-se e eu retraio-me, já me habituara à falta de luminosidade.
Sinto-me perdida. As palavras que há pouco nada significavam fluem agora com uma naturalidade renovada. Assola-me novamente esta sensação magnífica que já esquecera.
Continuo sem escrever nada de interessante, apenas escrevo. Escrevo simples palavras que formam frases mais complexas e originam um estranho e confuso texto baseado na realidade do que sinto e não em pretensionismos falsos que muita gente espera que escreva...
Esforço-me em vão por encontrar um tema interessante para debater comigo própria, para apresentar aos outros o meu ponto de vista, mas nada surge, ou talvez haja demasiadas opções.
As minhas emoções estão num turbilhão. Parecem uma tempestade incontrolável e imprevisível, tanto para expressar mas tão poucas palavras para o fazer.
Apenas espero que as palavras surjam com a mesma naturalidade com que oiço o vento sibilar entre as folhas, e consigo ver uma réstia do brilho prateado da lua, apesar de toda esta iluminação artificial que tão desagradavelmente oculta as maravilhas da noite e ao mesmo tempo me fere os olhos impedindo-me de vê-las.

Dor

A solidão que me assombra desfigura todo o meu rosto, lavando-o com as minhas lágrimas que tendem teimosamente em turvar-me a vista num lusco-fusco confuso que torna tudo o que me rodeia imperceptível para estes olhos maltratados.
Sinto-me uma prisioneira de mim mesma, deste inútil corpo humano que tão facilmente cedeu aos caprichos do tempo enviando-me para um precipício sem fundo.
Caio. Caio cada vez mais, está cada vez mais escuro, mais frio. Quando finalmente parece que me ergo a queda é mais violenta e dolorosa, trespassando não só o corpo como a alma. Trás-me dor, deixa em mim marcas, cicatrizes, que só o tempo curará (ou talvez nem ele tenha capacidade de o fazer). Quem me observasse veria um sorriso falso, alguns sinais pelos quais poderia culpar o cansaço, mas fixando-se nos meus olhos veriam a escuridão que agora encobre o seu brilho antes tão resplandescente.
Choro. Pois nada mais me resta fazer. Já falei, chorei, escrevi, chorei, voltei novamente a chorar.
Tento. Tento acalmar a dor que me magoa o peito, o vazio que o habita, tento escondê-lo pressionando-o com os meus braços, e apercebo-me assim da minha fragilidade.
A minha cabeça lateja, já nada mais tenho para chorar. Aos poucos permito que o cansaço e o sono me dominem, arrasto os pés com grande esforço para a cama e deito-me. Adormeço. Não sonho nesta noite, estou demasiado vazia para isso.

Olhares

Uma nova cidade, um tempo diferente, novas caras com quem me cruzo ocasionalmente. Nos seus rostos reconheçoos das pessoas que me faltam. Admiro a sua despreocupação, a forma como não se fixam no que os rodeia, em tudo aquilo que não os engloba directamente, alheando-se do mundo, com a sua própria música, as suas conversas, os seus problemas e preocupações, desconectados da realidade mundana.
O meu olhar já se cruzou com uns olhos azuis, perscrutando a sua interminável profundidade, procurei na escuridão de uns olhos negros um lampejo curiosidade pela movimentação intermitente que os rodeia. Apenas encontrei um certo desdém devido a um olhar tão inquisidor da minha parte, uma indiferença quase que insultuosa como se não valesse a pena observar os outros pelo simples motivo de nunca os ter visto na vida.
Ao olhar o mundo podemos descobrir-nos a nós próprios, vemo-nos retratados como um pai de família que carrega a filha pequena nos ombros, um jovem casal apaixonado, até como um mendigo que humildemente pede um pouco de ajuda para poder continuar a sua vida pobre mas mais rica em conhecimento que a de muitas pessoas que não se fixam em nada.
É como ficar sem reacção ao observar um controverso Dali, ao ouvir uma bela composição de Mozart, ao ver uma cerejeira florir mesmo ao pé de nós e não dirijir um olhar a esta raridade e beleza pura da natureza.