quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Um autocarro. Uma viagem de uma hora no máximo, talvez mais se o motorista decidir desfrutar da falta de conforto do autocarro por mais alguns minutos.
Ela está sentada num dos bancos, mais ou menos a meio do autocarro, do lado da janela para poder ver os lugares a cruzarem-se com ela e a ficarem para trás.
- Desculpe menina, posso sentar-me aqui?
As pessoas raramente se dirigiam a ela, muito menos quando usava os headphones, por vezes fazia-o apenas para evitar que as pessoas se preocupassem em dirigir-lhe a palavra, mesmo que o seu único uso nesses instantes fosse a estaticidade nos seus ouvidos, nenhum som lhe chegava. Uma senhora entre os quarenta e os cinquenta, provavelmente, não o saberia dizer exactamente pela sua incapacidade de conseguir determinar a idade das pessoas, apenas não o conseguia fazer, dirigia-se a ela na esperança de ela lhe dizer que se podia sentar.
Não sentia necessidade de companhia, gostava das suas viagens de autocarro quando ninguém dava pela sua presença e podia ser qualquer pessoa, não apenas ela mas toda ela, sem limites pois ninguém importava.
Era demasiado educada para recusar e obrigar a senhora a sentar-se em outro banco, seria uma atitude demasiado rude para ela. Decidiu apenas sorrir e acenar afirmativamente.
-Obrigada.
Alguns minutos passaram e inevitavelmente a senhora dirigiu-se a ela:
-Para onde vai?
-Para o Porto, visitar uma amiga.
-Hmm. A complexidade da distância não se resume a apenas quilómetros.
Estas palavras foram quase para si própria e nem tanto para mim. O seu olhar focou-se num lugar distante regressando pouco depois.
-Sim, tem razão. O que acontece é que continuamos a tentar lutar as realidades mas acabamos sempre perseguidos por elas porque ao contrário do que julgamos não controlamos nada.
-Decerto que tu sendo ainda jovem ainda tens muito pela frente e muitas escolhas em que vais poder decidir livremente.
-Não. A verdade é que somos influenciados por tu e todos e nunca chegamos a decidir sozinhos. Decidimos em conformidade a um contexto, a um desejo exterior, a consequências que ainda não conhecemos, mas não nos cingimos àquilo que nós queremos. Vivemos oprimidos.
Um breve sorriso surge no rosto da senhora:
-Pareces bastante conhecedora da realidade, mas não o suficiente para seres capaz de demonstrar empiricamente tudo aquilo a que te referes.
Não esperara que inexplicavelmente a conversa entre ambas tivesse levado a uma tal argumentação, e não julgaria que esta senhora iria sequer demonstrar-se tão disposta a conversar sobre algo mais que o tempo. Não deveria julgar as pessoas pelas primeiras aparências que lhe transmitem, não era boa a julgar carácteres apenas com a apreciação das suas maneiras e aspecto.
-Não sei o que lhe responder. Poderia dizer que já vivi momentos dolorosos mas em nada se podem comparar com coisas que ainda poderei viver, não passam de dramas quase que irreais pelo seu absurdo.
-Eu compreendo que penses assim, mas cada pedaço de dor dói à sua maneira, independentemente da sua aparente insignificância.
-Provavelmente hoje vai ser a minha úlima viagem ao Porto. Provavelmente vou despedir-me definitivamente da minha amiga.
-Não percebo porque farias tal viagem para te despedires definitivamente. Não conheço essa noção de despedida definitiva.
A forma de trato da senhora passara do formal para algo mais casual, sem nunca perder o tom educado. Entretanto a jovem debatia-se para encontrar uma definição de despedida.
-Não posso terminar algo que foi importante sem o fazer directamente.
-Mas porque terias de acabar algo?
-Porque por vezes as coisas não são fáceis, e mesmo as boas amizades magoam e findam.
-Não, não, não. A amizade não é suposto ser constantemente boa, há maus momentos, há erros, e nenhum erro é indisculpácel.
-Eu sinto-me incapaz de permanecer feliz quando sou arrastada por uma amizade apenas mantida pelo hábito.
-Talvez, mas talvez estejas a destruir um alicerce da tua vida.
Nada mais se disse. Ambas sorriam apesar da inconclusividade de tal conversa. Estavam perdidas nos seus próprios pensamentos, revendo as suas vivências, conjecturando acerca do que as esperava. E entretanto a paisagem continuava a passar por elas e a ficar para trás... Nada de novo, ou talvez sim.

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