quinta-feira, 3 de junho de 2010

30.05.2010

A água cai algures, numa cascata próxima, ou talvez seja o mar a tentar vencer a falésia, num esforço constante, extenuante que vai levar a rocha a ceder.

Não há ninguém à volta, as pequenas ervas, que surgem de vez em quando entre os intermináveis bancos de areia que começam a avistar-se, tremem ligeiramente com a brisa fria que corta o ar quente que ainda se sustinha, num suspiro da terra, perdido agora, entre a luz da lua e o frio do mar.
Talvez o som da água fosse o do mar, da água salgada a tentar dominar a terra, a tentar engoli-la, arrependendo-se e obrigando-se a si própria a recuar.
Não se distingue facilmente a linha do horizonte onde acaba o mar e começa o céu. Ambos os azuis se misturam num jogo de sombras, ambos ligeiramente iluminados, por estrelas, por luzes das embarcações piscatórias dos senhores com a cara marcada pelo sol e pelo sal, tentando a sua sorte num mar mais calmo, com um vento mais fresco, com uma luz menos forte e quente.
A areia está gelada. Seca, granulada, fina. Avançando um pouco mais em direcção ao manto azul, não sabendo se se trata do céu ou do mar, ela torna-se húmida, movediça, mais quente. Mais um passo… água. Sal. A maresia pura, o odor do mar, da água salgada. À medida que se levanta um pé eleva-se areia, que entre a água que agora atinge o joelho executa a sua dança submarina, seguindo as breves correntes geradas pelo movimento da água, assemelhando-se aos grãos transportados pelo vento, percorrendo a praia, enchendo o ar com o brilho dourado da areia. Por vezes cegando temporariamente os desafortunados que se lançavam num campo de batalha sem o saberem, sujeitos às forças da terra e às do ar.
Não se vê lua. Desapareceu algures deste lado do planeta, hoje ilumina outro pedacinho de praia, enquanto nesta reina uma escuridão marchetada de pequenos brilhos e luzes, guiando os que perderam o seu caminho para o lugar onde devem estar.
É quase impossível não reparar no choque térmico que a água causa no corpo, na diferença de temperaturas entre a pele quente e o mar frio, á improvável não sentir cada centímetro de pele arrepiar-se, numa sucessão instantânea e ascendente, pés, pernas, ventre, peito, braços, faces…
Num impulso repentino, uma ligeira força exercida nas pontas dos pés, contraem-se os gémeos, dobram-se os joelhos, inclina-se ligeiramente o corpo para a frente, e num salto que não excede os 5 centímetros, eleva-se ligeiramente acima do nível da água, imergindo inteiramente na escuridão.
Abrindo os olhos, magoados pelo sal, imagina as sombras que gostava de ter ali, as faces que queria descobrir entre a imperceptibilidade do lusco-fusco marinho e nocturno. As respostas não são conclusivas, mas a dúvida diminui.
O corpo parece acostumado àquela temperatura que agora parece quente, sabe que se permanecer ali durante muito tempo a sua cabeça vai começar a latejar, a respiração vai tornar-se ofegante e o corpo tremerá involuntariamente, numa resposta hormonal à falta de equilíbrio térmico.
Num outro impulso semelhante emerge, sente agora o verdadeiro frio, o do vento a percorrer as suas faces molhadas, a recordarem-lhe que a sensação de calor é falsa, agradável mas irreal.
Regressa lentamente à zona onde a areia se cola aos seus pés molhados, às dunas irregulares, e senta-se na areia da praia, tremendo cada vez mais, arrepiando-se cada vez mais, de modo que até os seus dentes chocam uns nos outros involuntariamente.
Tenta distinguir as marcas salgadas e húmidas que deixou na areia. As pegadas que confirmam a sua passagem por aquele espaço começam a ser apagadas, os grãos são mais uma vez carregados pelo vento, a água humedece mais uma vez a areia, disfarçando lentamente aquelas suaves depressões, até que apenas se distingam ligeiras riscas que denotam a presença do mar, de mais ninguém.
Recolhendo-se num abraço apenas seu foca novamente a sua atenção no som, na jornada contínua da água, nas suas regressões e progressões, na sua capacidade de criar novos caminhos, de se adaptar às adversidades do caminho, de atingir sempre a areia, de apagar sempre as pegadas por mais profundas que sejam.

2 comentários:

  1. Como sempre adorei.

    Beijinhos grandes

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  2. às vezes, acho que é uma perda de tempo ler todos os textos que as pessoas escrevem nos blogs. porquê? porque não sabemos se vamos gostar, e sinto-me na obrigação de continuar a ler até o texto me despertar alguma atenção. que era o que esperava que fizessem com um texto meu, um texto meu cujo começo não fosse o mais apelativo.

    mas bem, isto tudo para dizer que li todo o teu texto e adorei. consegui sentir aqui o frio narrado, sem muita concentração porque estava a fazer algumas coisas. pude esquecer-me de tudo e focar-me durante a leitura num cenário muito semelhante àquele que tu descreves. sem dúvida, tu tens futuro e é um alívio para mim ver que alguém me "percebe" e escreve coisas destas. :)

    beijinhos.

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