quinta-feira, 22 de outubro de 2009

As perguntas que nunca lhe coloquei

Conhece-me desde que nasci mas não acredito conhecê-lo realmente. Vou tratá-lo por você como o faço sempre, como sinal do respeito que sinto pelos anos que viveu, por tudo o que já viu.
Não sorri muito mas consigo ver a beleza que ostentava antes, aquela que está presente nos retratos a sépia e preto-e-branco que se encontram espalhadas nas paredes de sua casa.
Recordo os momentos em que trazia a sua câmara fotográfica na mão e me seguia pela casa, enquanto eu corria, ria muito alto e fazia imensas caretas, gravadas em pequenas fotografias de pouca qualidade que me fazem recordar e sorrir.
Admiro em si a forma como encara o mundo, a alegria que sente quando brinca com a minha irmãzinha, como fazia antigamente comigo. Invejo-a, por vezes. Por ter toda a sua atenção, ou quase toda. Gostava de quando íamos para o cimo de um armazém e olhávamos as estrelas, ou dávamos grandes caminhadas pelo monte.
Admiro a forma como aprecia o pequenos mundo onde vive mas tem necessidade de mais, e parte de três em três meses para Paris, cidade onde creio que reside a sua alma, o sítio a que chama lar. Não sei se isto é verdade. Nunca lho perguntei. Apenas me é difícil compreender por que razão abdica da companhia da sua mulher, minha avó, e da restante família. De que foge você?
Já alguma vez lhe disse quanto o admiro e adoro? Provavelmente quando era pequena, mas ultimamente temo-nos tornado cada vez mais distantes, como estranhos que continuam a falar por causa das memórias que partilham.
Adoro a forma como se ri quando falo ininterruptamente, nos breves momentos em que desejo contar-lhe a minha vida toda e as palavras se atropelam umas às outras. Sim. Gosto desse sorriso.
Olho-o agora, e pergunto-me por tudo aquilo que viveu e não me contou, as histórias da guerra, creio que se orgulha de ter lutado pelo nosso país, mas em que guerra? A minha ignorância em relação a si é imensa, mas acho que me agrada assim, gosto de imaginar a pessoa que foi, especular acerca do rapazinho que foi a brincar nas ruas ou talvez a trabalhar para ajudar a família, toda esta incerteza torna-o ainda mais especial.
Já vi ambos os seus lados, já senti ódio por si, talvez não fosse isso, talvez eu estivesse apenas desapontada com as suas palavras, mas recordando-o e recordando-nos vejo uma amizade estranha, até um pouco distante, entre duas gerações separadas por décadas, guerras, vidas...
Obrigada, avô, por tudo o que me deu, por me mostrar o céu, me tentar agradar não da típica forma materialista mas através de atenção, diálogo; obrigada por me mostrar o campo, o céu, as estrelas, por me guiar para a felicidade, por errar e me mostrar os erros que não devo cometer, tendo-o como exemplo.
Obrigada pelas perguntas que nunca coloquei.

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