sábado, 8 de maio de 2010

#3

As pálpebras pesam, a vitalidade do dia já se perdeu à muito tempo, gasta como a luz do sol, ou, talvez, apenas escondida por umas horas.
A música continua a ressoar nos meus ouvidos ou talvez seja apenas na minha mente, como uma melodia decorada, infinita, repetida uma imensidão de vezes, algumas incompreendida, outras completamente irreconhecível...
Tenho o corpo entorpecido pela chuva de hoje, senti as gotas a fustigarem-me directamente o rosto, com uma força avassaladoramente agradável. Nesse momento tirei o casaco ao contrário da normal reacção dos restantes que fugiam amedrontados com a água. Senti a água a encher-me rapidamente o corpo, a preencher os espaços em branco da pessoa que sou, a responder por minutos às perguntas que ainda agora se mantêm, a fazer com que tudo valesse a pena, todo o sofrimento, as lágrimas, a dor, os risos, as perdas, as loucuras, os poucos castigos, a felicidade instantânea numa gota de chuva, o epítome de alegria com uma chuva constante, dura, fria, verdadeira. Uma sensação verdadeira, algo palpável, algo real, que todos podemos sentir, a que toda a gente tem direito, apenas tem medo de experimentar.
A brutalidade e rapidez dos meus pensamentos impede-me ligeiramente de escrever concisamente mas não consigo parar, não vale a pena, tenho de libertar tudo isto, tudo o que conti por dias, semanas, sei lá, durante demasiado tempo, é sempre demasiado tempo.
Agora grito, não literalmente, mas silenciosamente, através de palavras, das minhas palavras, não de palavras estudadas, palavras do momento, sentidas por cada célula do meu corpo.
Não sei o que sinto neste momento mas é algo estranho e forte, agridoce, tocante. O meu coração palpita com uma velocidade estonteante, e por momentos saio disto, deste quarto, desta sociedade, desta felicidade contido para tudo, para o todo, para a minha realidade, para a minha folha de papel, para mim mesma...
Silêncio, novamente.
Ainda consigo ouvir a minha respiração. O palpitar do meu coração, as sístoles e a grande díastole ressoam nos meus tímpanos. Os meus olhos fechados vêem os riscos que parecem electrificados nas minhas pálpebras fechadas, laivos de luz no meio escuridão. Explosões eléctricas. Relâmpagos. Trovoada. O som fantástico do belo horrível. E voo para aquele dia, sentada em frente à janela de vidro gigante, no escuro, a observar a cidade escura a ser iluminada pelos raios de luz, com um sorriso de menina mal comportada à espera que os pais entrassem no quarto para lhe dizerem que não devia fazer aquilo. Eles não vieram e o sorriso prevaleceu.
E ainda agora sorrio assim. Sorrio estupidamente pelo passado, por ser assim, por gostar disso, por gostar do cheiro a terra molhada, a tinta fresca, a gasolina e a fósforos acabados de queimar. Por gostar de andar descalça em cima da relva húmida de orvalho. Por gostar de música que quase ninguém ouve, por gostar de momentos que quase ninguém vê, por ser eu, por não querer mudar, por ser uma romântica incontrolável e adorar isso. Por chorar constantemente, por ser frágil e forte, por gostar da Alice e do Principezinho, por adorar desenhos animados, por ser infantil e madura...
Ai, sinceramente não compreendo de onde surgiu tudo isto, mas também não importa, nem tudo tem de ter uma razão para existir, ou melhor, nem sempre temos de conhecer as razões de alguma coisa, apenas estragam tudo...

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