sábado, 17 de abril de 2010

first sight

Ela estava simplesmente parada. Sentada num banco. Num jardim como qualquer outro onde se lembrava de ter ido em pequenina, com o avô, que lhe contara histórias de princesas e de príncipes, com castelos e "viveram felizes para sempre". A verdade é que estava ali para tentar encontrar um pouco de esperança. Queria um bocadinho daquela crença avassaladoramente infantil de que existe realmente alguém certo para cada um de nós, que ainda é possível apaixonarmo-nos. Ela procurava isso.
As pessoas passavam mas limitavam-se a observar por pouco tempo a rapariga de olhar vidrado, a observar o vazio, sentada num banco semi-encoberto por heras, tão parecida a qualquer outra rapariga da sua idade.
Continuavam com a sua vida sem se questionarem minimamente acerca das pessoas que as rodeavam. Entretanto ela perscrutava todos os rostos, todos os olhares, todos os gestos, tentando encontrar o que lhe faltava, procurando os pedacinhos de coração que lhe roubaram antes esperançosa de os recuperar, procurando um sorriso cativante e um determinado modo de olhar.
Ele caminhava lentamente, observando o que o rodeava, distinguia-se talvez por isso. Ela viu-o logo mas na tentativa de ser discreta desviou ligeiramente o olhar. Ele reparou nela. Faltou-lhe a coragem para lhe falar e sentou-se no banco à frente do dela. Por "à frente do dela" pressupõe-se "vários metros à frente do dela".
Olhava-a discretamente, tentando olhar os seus olhos de frente, ainda não conseguira distinguir os vários tons de castanho que compunham aquele olhar mas já se sentia preso à imagem daquela rapariga.
Ela reparava nele, entre as sombras das pessoas que continuavam a passar. Reparava na forma descontraída como estava sentado e ao mesmo tempo nos músculos contraídos dos ombros, como que um certo trejeito de embaraço.
Queria olhá-lo mas não o conseguia fazer. Não sabia se temia que os seus olhares se cruzassem ou se o desejava, não se decidira quanto à preferência entre olhá-lo nos olhos e observar o vazio ou não olhar de todo.
Por várias vezes tentou encontrar os olhos dele. Eram de um azul muito escuro, praticamente negro, como o local mais profundo do oceano, e pareciam igualmente inacessíveis.
Ele esforçava-se por contrariar o impulso de a observar continuamente, aquela perturbadora imagem que o cativava.
Ela relanceou o olhar na direcção dele. Ele olhou-a nesse exacto momento. Ambos os olhares se cruzaram por uma fracção de segundo que pareceu incluir todo o tempo do mundo. Reconheceram-se no olhar um do outro. Mergulharam na imensidão da personalidade um do outro. Vaguearam nos pensamentos da pessoa que observavam.
Ela fechou os olhos e virou a cara. Sentiu-se a ruborizar e sorriu.
Quando ganhou coragem olhou em frente mas o banco estava vazio.
Sentiu um vazio. Levantou-se e olhou desesperadamente em volta.
No meio da confusão viu o rapaz que timidamente tentava novamente encontrar o olhar dela.
Sorriram, um sorriso de embaraço, de felicidade, de algo que não eram capazes de explicar. Caminharam entre a multidão que continuava a passar entre aqueles dois bancos, imune a tudo o que se passava ali.
Levantaram os olhos mais uma vez. Sorriram.
Impulsionados pela naturalidade do momento trocaram um beijo suave, ao de leve, ingénuo e atrapalhado como aqueles beijos que as crianças dão em momentos de brincadeira.
Largaram-se e seguiram caminhos separados.
Olharam mais uma vez para trás, e despediram-se. Amaram-se por um segundo. Sem uma palavra. Com apenas um beijo.

2 comentários:

  1. Oh Meu Deus !

    "Queria um bocadinho daquela crença avassaladoramente infantil de que existe realmente alguém certo para cada um de nós, que ainda é possível apaixonarmo-nos. Ela procurava isso."

    "Amaram-se por um segundo"

    Chorei. Juro que sim. E sim , sabes que me ia revoltar com o final , mas Deus ... Está tão bom ! Dá-me um prazer enorme , quase selvagem em lê-lo. Gostei tanto , mas tanto ! Está mesmo tu , os teus textos inteligentes e apaixonantes.

    Amei. Juro que sim .

    Adoro-te tanto Andreiazinha

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  2. Como sempre adorei, escreves de uma maneira maravilhosa que me faz sempre sonhar, sempre.

    Beijinhos enormes

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