Não consigo suportar o silêncio, o vazio em que sou capaz de ouvir a voz do meu próprio pensamento, não preciso e não quero.
Talvez este estado de espírito se deva a demasiados sonhos irreais, a momentos demasiado longos de reflexão e deterioração da realidade. Neste momento não sei nada, não quero nada, quero talvez a possiblidade de fazer o que quero, de ser quem quero sem a necessidade de olhar para trás do ombro para ver se alguém está ali.
Gostava sinceramente de não estar aqui. Queria estar noutro lugar. Algures no meio do nada, a fazer coisa nenhuma, apenas com quem importa, e talvez nessas circunstâncias o silêncio fosse mais suportável, mas... não agora. Não aqui.
Se eu desaparecesse, me dissipasse no ar, tenho as minhas dúvidas acerca das pessoas que se importariam com isso, ou até se alguém se importaria minimamente com a minha ausência. E isso perturba-me, a ideia de ninguém precisar de mim. Mas é nestes momentos que me lembro das palavras agradáveis, da simpatia de algumas pessoas, dos abraços furtivos, das palavras ocultadas nas entrelinhas, dos que continuam a a preocupar-se em dirigir-me a palavra, das noitadas, dos segredos partilhados, das gargalhadas que surgem mesmo nos maus momentos, da nossa capacidade inata de sorrir perante os dias cinzentos, da chuva a escorrer-me pela cara, das palavras quase ininteligíveis da minha irmã, da necessidade de demonstrar afecto do meu pai, das piadas da minha mãe, do ópio, das flores cor-de-laranja, dos momentos que passaram e não consigo esquecer, do Verão, do calor, do frio de que tanto gosto, das conversas a altas horas da manhã, das madrugadas, do nascer do sol, das coca-colas, da necessidade que mesmo agora tenho de sorrir, algo que não consigo evitar, das lágrimas que já não me lembro de chorar, dos amigos que perdi, dos que temi perder, daqueles que já se tinham afastado e regressaram, dos segredos que decidi aceitar e confrontar, dos planos de viagens, da família, da realidade que me magoa, das pessoas que tendem a julgar as minhas acções e que julgam conhecer-me, da má sorte que tenho, das estupidezes que faço para a contrariar, das leituras intermináveis, das minhas listas, das histórias de amor, do trágico do quotidiano, da hipocrisia da minha geração, das minhas séries, das minhas manias, da minha varanda e de todas as conversas que tive lá, das pessoas que me faltam e que as circunstâncias apenas afastam mais, da triste verdade, dos filmes que vi e quero ver, do Louvre e da minha vontade de ver Paris, das luzes, da beleza, dos ideais que a sociedade adoptou recentemente, da Audrey Hepburn e do gato, do Tiffany's, do absurdo turbilhão de ideias que me cruza o pensamento neste instante, das folhas em branco que não consegui preencher com medo da minha própria imaginação, da incompreensão das pessoas, das músicas que queria ouvir neste instante, das pessoas que oiço a cochichar do outro lado da sala, dos temas fúteis que discutem, da falta de discrição destas pessoas quando falam umas das outras, a hipocrisia com que continuam a sorrir mutuamente como se a amizade fosse verdadeira, dos defeitos de todos os que me rodeiam, alguns que me são comuns, outros que temo adquirir um dia, das pessoas que povoam o meu passado e que provavelmente já nem se recordam de mim, do meu amigo no quarto de hospital a chorar pelo que tinha feito e armar-se perante os amigos para não demonstrar a sua fragilidade, da minha vontade de gritar e de demonstrar que não me interesso por nada disto e por quase ninguém, das conversas que não quero ter e que as pessoas insistem em iniciar, da má ideia que as pessoas têm de mim, talvez me considerem arrogante mas apenas me recuso a ser hipócrita, da vontade que tenho de entrar num táxi ou num autocarro e ir para um sítio qualquer que não este, para começar de novo, da preocupação que a saúde de algumas pessoas me causa, do medo que tenho da morte, não da minha, da das pessoas que me importam, do medo que tenho de me ser apenas mais uma pessoa, ninguém especial, apenas mais uma pessoa normal, da vida, do que me espera, da degração do mundo espelhada nas calças vermelhas do "viril" e nas calças de golfe descaídas do Rui, da necessidade de ir para Rio Bom, do desejo íntimo que a escola feche para ter um Verão antecipado, dos sítios a que quero ir mas não posso, das coisas que quero fazer mas não posso, daquilo que queria que as pessoas fossem mas que não pode ser, do que eu gostava de ser, de Cambridge, da forma como afasto as pessoas, da arrogância que não me é característica mas que as pessoas me querem atribuir, de sequências, da Dama das Camélias, das camélias brancas nos primeiros vinte cinco dias do mês e das camélias vermelhas nos restantes, das coisas que desejo e que nunca vou ter, do meu desejo de nunca dizer nunca, do Mr. Darcy, do orgulho que tanto separa as pessoas, dos preconceitos da sociedade que se julga tão superior e importante ainda defende, do mundo, dos outros mundos, do meu mundo, da minha incoerência, dos meus medos, dos meus desejos, da minha realidade, do absurdo que me segue para todo o lado, dos apêndices, do cheiro a terra molhada, de Chopin, da minha vontade de caminhar descalça, do abraço que preciso agora, da borboleta que vi no outro dia enquanto esperava pela Sofia e avistava a Adília, do estado febril que já deixei, da minha estupidez e de todo o absurdo que sou eu.