terça-feira, 29 de dezembro de 2009

(aceito sugestões para um título)

Caminho mais uma vez, sozinha, por entre um caminho sinuoso que não parece melhorar. Tenho esperança que estarás no fim do trilho, à minha espera. Continuo a andar, deixo a mochila que carrego nos ombros cair no chão com um baque surdo, deixo tudo o que antes me definia para trás, para começar de novo, começar contigo, mais tarde voltarei para recolher as coisas que vale a pena manter no entanto para já não tenho tempo para isso.
As árvores tornam-se mais densas à medida que avanço, a terra já não é macia como antes, as árvores estão cada vez mais próximas umas das outras dificultando a tarefa de passar por elas um trabalho digno de um contorcionista, há picos, pedras e fragmentos de um qualquer outro material aguçado a cobrir o solo segundo um qualquer padrão indecifrável e aleatório. Doem-me os pés e parece que estou a sangrar.
Vejo água mais à frente, entro destemidamente no pequenino lago no meio do nada, no meio daquela floresta escura. Os meus pés magoados respondem bem à água gélida do lago, dou mais um passo e o nível da água atinge os meus joelhos. Já não sinto os pés, portanto saio. Temo que permanecendo ali por mais alguns instantes me seja impossível mover de todo e não tenho ninguém que e ajude a continuar a caminhada que se apresenta ainda longa, mais uma vez estou só, só eu.
Não sinto os pés, o que é consideravelmente agradável pois já não sinto o asfalto a magoar-me as plantas dos pés, as farpas a rasgarem a minha pele, não sinto nada, portanto também não sinto dor, pelo menos a física.
A floresta parece interminável, talvez seja, como nunca estarás no fim do trilho esse trilho nunca irá acabar, quem sabe me surpreendas desta vez.
Parece-me que já caminho há horas, mas não aguento mais. Páro e sento-me no solo. Adormeço, vencida pela provação da caminhada, aninhada em mim mesma, tapando-me o máximo possível com uma rude capa de viagem. Acordo com a alvorada, coberta por uma fina camada de orvalho que me gela completamente, tenho de me mover com medo de gelar naquele preciso lugar.
Com todas as forças que me restam corro, da minha boca sai o característico fumozinho branco das expirações que envolvem uma atmosfera gelada, devo ter os lábios roxos porque basicamente não os sinto, os pés sinto-os gelados mas também sinto dor. Não suporto mais esta corrida interminável, onde estás afinal?
A capa ficou para trás, presa num qualquer ramo, agora o frio atinge os restantes membros, lentamente deixo de sentir o calor do sangue, e parece que é gelo que me corre nas veias.
Corro, magoando-me cada vez mais, os ramos magoam-me na cara e nas mãos quando os tento afastasr, deixando-me ligeiras feridas, suficientemente fundas para largarem gotículas de sangue que acompanham as lágrimas que não consigo conter.
Tropeço num tronco aparentemente colocado estrategicamente para me impedir a passagem.
Caio, vencida pela gravidade e pela adversidade da realidade. Olho a minha perna, tenho um golpe profundo e sangue escorre até ao meu pé direito, manchando a terra que se acumula no meu calcanhar e o solo, escurecendo o seu castanho para um negro, enquanto deixa um rasto de vermelho vivo.
Choro, deito-me na terra, pouso a cabeça ferida, pouso as mãos sobre o peito na tentativa de proteger o meu coração magoado e de o obrigar a abrandar lentamente, fecho os olhos e desisto, deixo-me sucumbir pela dor de ser eu própria e de não ter sido capaz de te alcançar, durmo, ou talvez não, recuso-me a levantar e continuar, desisto.
E ali estou eu, um eu despido, que abandonou parte de si num passado distante, que se recusa a continuar, fecho os olhos, ou já os teria fechado? Descanco, esperando que o frio gélido do dia ou da noite me levem dali, descanso neste sono eterno, sob um abraço de gelo na minha nudez de alma.
Fecho os lábios roxos, controlando os dentes que batem descontroladamente, inspiro uma última lufada de ar que me queima a garganta e gela os pulmões, olho o infinito e depois deixo-me levar pelo vazio. Apenas escuridão. E uma lágrima solta no último instante, por ti, mesmo que não a mereças.

1 comentário:

  1. Acho que devias escrever um livro, se conseguires colocar na escrita todo o talento que mostras aqui será sem dúvida um sucesso, um daqueles que eu adorava ler.

    Beijinhos

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