quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Os sapatos vermelhos

Vi uma menininha pequenina, cabelos loiros, lindos cachos doirados à volta da cara, caindo delicadamente nos seus ombros de criança. Usava um vestido branco, e parecia irradiar uma luz quase angelical, tinha uma figura de anjo, uma beleza de anjo, a ingenuidade de um anjo...
Olhava à volta, parecendo um pouco perdida, mas provavelmente procurava um menino para brincar. No entanto parecia não haver ninguém ali. Então olhou para mim. Olhou directamente para mim e reparei nos seus olhos de um azul escuro que me lembrava as lindas águas da lagoa onde costumava nadar quando era como esta menina.
Talvez me tenha visto como uma potencial amiga e caminhou lentamente mas não como uma criança tímida, caminhava devagar para me observar, enquanto olhava para mim era capaz de ver aquele brilho que as crianças têm no olhar quando estão prestes a fazer um milhão de perguntas diferentes, daqueles interrogatórios intermináveis que só acabam quando as pessoas grandes acham que a curiosidade da criança deve ser limitada para não ficarem com uma dor de cabeça insuportável...
Quando chegou ao pé de mim senti-me bastante alta, olhando aquela menina dos meus 168 cm de altura acrescidos por saltos de 14 cm... Baixei-me, colocando-me de cócoras, tentando lutar contra o desequilíbrio para não me espalhar no chão. Fiquei mais ou menos ao nível da cara da menina e perguntei-lhe como se chamava... Ela disse-me que o nome dela era Diana e sentou-se na relva mesmo à minha frente sorrindo com um daqueles sorrisos desdentados enternecedores das crianças. Decidi parar com a minha cara de sofrimento de que ela se ria discretamente.
Tirei os sapatos e sentei-me com ela no chão, finalmente terra firme.
-Como te chamas tu? - perguntou-me ela.
-Eu chamo-me Andreia.
-Gosto desse nome. - disse sorrindo abertamente.
Sorri também. Não sabia o que dizer àquela menina, e foi então que lhe perguntei onde estavam os pais dela.
-Não sei.
O sorriso dela desvaneceu-se, olhou o solo e começou a roer as unhas nervosamente.
-Vamos procurá-los. - disse tentando animá-la.
Entretanto ela olhou para mim, levantando lentamente a cabeça até que lhe pude ver novamente os olhos. Chorava silenciosamente. Encostei-a a mim. Disse-me depois que os pais tinham morrido. Não sabia o que dizer e apertei-a mais contra mim, aconcheguei-a tentando protegê-la da dura realidade de que estava praticamente só naquele mundo no início da sua vida. O choro silencioso evoluiu para um pranto doloroso, que dilacerava as minhas entranhas com a dor que transportava.
Adormeceu no meu colo quando as forças para chorar se dissiparam.
Não a larguei. O sol pôs-se e recusei-me a largar aquela menina.
Ela acordou e disse que gostava dos meus sapatos. Eram vermelhos e ela não conseguiu tirar os olhos deles.
Olhei aquela criança frágil enrolada ao meu corpo falei-lhe da história do feiticeiro de Oz, dos sapatos que a Doroteia tinha que a levariam para casa quando quisesse, tinha apenas de bater com eles um no outro. Não tinha a certeza de a história ser exactamente assim mas o importante é que ela parecia interessada.
Disse-lhe que ela podia ficar com os meus sapatos e que podia fazer o mesmo que a Doroteia quando tivesse saudades dos pais, ou até saudades minhas se se lembrasse de mim depois daquele dia.
Ela olhou-me e deu-me um beijinho na face esquerda. Nesse momento chorei eu, com o amor que aquela criança atormentada ainda tinha para dar e pelo futuro incerto que a esperava.
A suposta tia da menina apareceu pouco depois, levando a menina dos meus braços violentamente.
-Esqueceste-te dos sapatos. - Disse eu sorrindo.
Ela correu para mim outra vez, agarrou-se ao meu pescoço abraçando-me profundamente, pegou nos sapatos e partiu.
Espero voltar a ver a menina dos caracóis dourados, talvez daqui a uns anos quando ela usar o 38 e puder andar com os meus sapatos.

2 comentários:

  1. está muito giro *.*
    sabes que tens um estilo imensamente parecido com a Joanne Harris? xD

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