sábado, 12 de dezembro de 2009

Figuras indistintas no nevoeiro

Enquanto percorro a remota cidade de Chaves hoje encoberta plenamente por um nevoeiro que não me permite ver mais do que alguns passos à minha frente, tenho de me encolher no meu enorme casaco vermelho, soprar nas mãos geladas, onde sinto que a circulação começa a falhar. É uma tortura para o meu corpo este frio imenso, esta humidade extrema do ar, a invisibilidade parcial. A garganta dói-me a cada lufada de ar que inspiro, e a cada expiração o ar sai da minha boca formando uma espécie de nuvenzinha branca que paira por breves milésimas de segundo para desaparecer.
Caminho perto do rio onde está ainda mais frio. Tento observar a outra margem mas é-me impossível. Gosto de pensar que estás do outro lado. Disseste que estarias. Continuo a caminhar, tornando-se a cada passo mais difícil continuar. Aperto o cachecol em direcção à minha garganta, empurro o gorro um pouco mais para não gelar as orelhas. Sinto o nariz e as pontas dos dedos completamente geladas, ou devo dizer que apenas já não os sinto. Oiço passos perto de mim mas não vejo ninguém. Olho em volta esperando ver-te mas não vejo nada.
Que cidade fria. Que cidade vazia.
Nada mais me resta que continuar a andar, se parar temo não voltar a mover-me.
Vejo uma sombra imediatamente à minha frente, uma sombra indistinta no meio do nevoeiro. Reconheço-te pelas sapatilhas pretas Converse, estragadas pelo uso em demasia. Mas... não estás sozinho.
Páro. Mais um passo. Uma imagem um pouco mais nítida. Parece... Uma rapariga.
Caminho um pouco mais. Os meus olhos abrem-se com o espanto, na boca um trejeito de dor, o peito aberto pelo momento que presencio, uma dor que me mata por dentro a cada segundo que passa. De certeza que foram apenas segundos? Pareceram-me horas, aquelas em que te vi agarrado àquela rapariga, beijando-a da forma como era suposto teres-me beijado a mim.
Lágrimas silenciosas caíam dos meus olhos enquanto eu permanecia ali, petrificada, impossibilitada de me mover pela forma como me sentia, pela sensação de ter sido descartada. Largaste-a. Olhaste-me. Vi a culpa nos teus olhos, disseste que não era aquilo que parecia, olhei a rapariga que sorria vitoriosamente, nada mais via que a sua boca, não a olhei o suficiente para distinguir quem era entre o nevoeiro...
Caminhaste para mim mas não queria que me tocasses, apenas me magoaria mais.
Virei-me. Corri. As inspirações tornaram-se mais fortes, as expirações mais rápidas, a respiração ofegante, a garganta a doer de forma insuportável, na cabeça a memória do que vira, não podia ser verdade.
Eu continuava a correr, balançando os braços descontroladamente, chorando de forma desenfreada, com os olhos semicerrados, não via nada, corria por instinto, não me preocupando com a possibilidade de cair, de me magoar, comparada com a dor que sentia nada mais poderia piorar a situação.
Pelo que parecia continuavas a correr atrás de mim.
Parei. Deixei-me cair no chão duro, na terra húmida. Começou a chover. Olhei o céu e apercebi-me da minha covardia. Talvez merecesse isto.
Ouvi-te atrás de mim. Virei-me ainda chorando, mas era impossível distinguir as minhas lágrimas das gotas gélidas que caíam sobre mim. Olhei-te até atingir a profundidade do teu ser. O que sentes? Isso é a forma de me pedires desculpa ou de te tentares desculpar silenciosamente? Que queres de mim?
Grito. Pergunto-te porquê... Não sabes responder mas não olhas o chão em sinal de culpa olhas-me a mim, tentas desculpar-te dizendo que não era o que parecia mas magoaste-me demasiado.
Tento ir-me embora mas não consigo tirar o meu olhar do teu.
Sou fraca. Aproximo o meu rosto do teu para perceber na plenitude a tua expressão. O que queres? Quem queres?
Num gesto impulsivo e fraco beijo-te. Fraca. Não.
Não me impedes. Abraças-me. Envolves-me nos teus braços dizendo que está tudo bem. Estará? Não sei. Só sei que a garganta me dói mas que o teu abraço quente me aquece. És uma droga, é impossível impedir-te, impedir o efeito que tens sobre mim. Não dizes nada. A chuva cai, o nevoeiro esconde-nos do mundo. Não importa o que vai acontecer depois, não importa o quão magoada ainda estou, não importa a forma compulsiva como tremo, nada mais importa, apenas este abraço apertado. Apenas tu.
Fraca. Não sou mais que isso. Fraca e tua. Por enquanto, enquanto chover.

1 comentário:

  1. Oh Andreia...

    Isso está tão bonito , está tão eu , está tão tu , está uma cena tão á Jane Austen , caramba , está bonito ... Emocionante , triste , alegre , ofegante , real..

    Está um texto digno da Andreia Chapouto! :D

    Beijinhooo

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